Seguir o Evangelho consiste em seguir o que a Bíblia diz. E se na Bíblia está escrito: “Tudo me é lícito” (1 Coríntios 10.23), então não existem delimitações?
Muitos se atém a apenas esta parte do texto bíblico e logo concluem: “se tudo me é lícito, posso fazer absolutamente tudo o que quiser... posso beber, fumar, possuir várias mulheres, assistir a filmes pornôs... nada é proibido. A graça de Cristo me libertou de todo pecado, e nada mais que eu fizer estará sujeito a alguma condenação”. Estaria correto este raciocínio?
De fato, se isolarmos convenientemente apenas uma parte do texto, esta parece ser a conclusão mais óbvia. Entretanto, este é um dos mais grotescos e graves erros no método de interpretação das Escrituras. Texto fora do contexto é pretexto, já diziam os antigos.
Vejamos o que acontece se fizermos o mesmo com outros escritos:
Filipenses 4:13 - “Posso todas as coisas...” Se eu posso todas as coisas, então posso manter uma relação extraconjugal sem comprometer o equilíbrio familiar; posso me embriagar e não envergonhar o Evangelho; posso empurrar um trem por quilômetros ladeira acima; posso ser cruel ou vulgar ao conversar com alguém; posso TODAS as coisas!
João 6:27 – “Não trabalhem pela comida...” Então, trabalhar secularmente é pecado. Deus é contra a idéia de eu ter uma profissão. Devo abandonar totalmente a idéia de ter um emprego, e simplesmente “viver pela fé”. Todos os meus dias irei me dedicar apenas a “atividades espirituais” e não me preocupar com as necessidades básicas da minha família.
Assim nascem as heresias e assim surgem os mais terríveis absurdos supostamente bíblicos. Quando se retira um texto do seu contexto e lhe dá um significado isolado, é muito fácil tropeçar feio na interpretação. Por exemplo: na própria Bíblia está escrito: “Não há Deus”, mas bem longe de ser uma defesa ao ateísmo, esta afirmação está dentro de um significado mais amplo: “Diz o tolo em seu coração: ‘Não há Deus’. Corromperam-se e cometeram atos detestáveis; não há ninguém que faça o bem.” (Salmo 14:1)
O que temos visto é que, na verdade, muitos extraem partes fragmentadas das Escrituras tentando justificar suas próprias escolhas. John Lenon disse que Jesus era gay para tentar justificar seu próprio homossexualimo... Fulano diz que a Bíblia não condena a bebida para tentar justificar seu próprio alcoolismo... Beltrano diz que na Bíblia sexo e casamento são a mesma coisa para tentar justificar sua própria conduta extraconjugal... E assim por diante. Não é preciso ser um expert em psicologia comportamental para perceber esta estratégia quase infantil diante de algum tipo de culpa.
Voltando ao nosso texto inicial, sim, todas as coisas me são lícitas (permitidas). Mas qual a abrangência desse “todas as coisas”? Inclui de fato TODAS AS COISAS, inclusive matar, cobiçar e mentir? Com certeza não, pois tais práticas (e muitas outras) a própria Palavra condena (Marcos 10:19, Mateus 5:28, Colossenses 3:9). Então do que se trata?
Este texto (1 Co 10:14-33), na verdade, está falando de comida: explica que podemos comer tranquilamente algo que foi consagrado de antemão a ídolos e demônios, porque os ídolos na verdade não são nada e, maior é o que está em nós do que aquele que está no mundo. Entretanto, caso eu seja advertido dessa consagração e o fato de eu comer este alimento for prejudicar a consciência do outro, é melhor me abster de comer. Simples assim :) Confira em 1 Coríntios 10:25-33.
É uma alternativa bem cômoda distorcermos o sentido de um texto bíblico na tentativa de justificar uma ou outra prática. Mas tal estratégia, sem dúvida, é também ilusória. Deus não se deixa escarnecer e a sua Palavra não voltará vazia, mas atingirá o propósito para o qual foi enviada.
Sim, eu “posso todas as coisas naquele que me fortalece...” Aqui o apóstolo Paulo declara: “aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, sejam bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece.” (Filipenses 4:11-13).
Sim, não devo trabalhar APENAS pela comida que perece e se estraga, pois minha vida vai além da morte. Pouco depois do milagre da multiplicação dos pães, Jesus orienta: “A verdade é que vocês estão me procurando, não porque viram os sinais miraculosos, mas porque comeram os pães e ficaram satisfeitos. Não trabalhem pela comida que se estraga, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem lhes dará. Deus, o Pai, nele colocou o seu selo de aprovação.” (João 6:26-27)
Sim, todas as coisas me são lícitas, desde que estejam dentro da liberdade que há em Cristo Jesus. E esta liberdade não é sem limites, mas nos chama para obedecermos a uma série de mandamentos restritivos:
“Não se envolvam com a prostituição” 1 Co 10:8
“Não saia da boca de vocês nenhuma palavra torpe” Efésios 4:29
“Não julguem” Mateus 7:1
“Não pratiquem imoralidade” 1 Coríntios 10:8
“Não sejam sábios aos seus próprios olhos” Romanos 12:16
“Não sirvam a Deus e ao dinheiro” Mateus 6:24
Cristo nos liberta para nos fazer seus servos. Contraditório? Sim, parece; mas não é. Trata-se apenas de mais um dos aparentes paradoxos da vida cristã: posso todas as coisas, mas não posso todas as coisas; tudo me é lícito, mas nem tudo me é lícito; a salvação é pela graça, mas nos custa nada menos que tudo.
A liberdade que há em Cristo nos permite dizer não ao pecado, pois não somos mais escravos do mal. Mas, como servos de Cristo, já totalmente libertos, ainda precisamos a cada dia crucificar a própria carne e negarmos a nós mesmos, mantendo-nos longe do que nos dá prazer à carne mas nos corrompe o espírito.
Sim, tudo nos é lícito... dentro da maravilhosa liberdade que Cristo conquistou para nós na cruz.
Márcia Rezende
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